domingo, 17 de dezembro de 2023

Um tal de Seu Salim

 

                             Por Lulu Alfenas

Edgard e Salim em Ouro
Preto, em 1928
A viagem e os laços de família são reais. Salim e os diálogos são frutos da imaginação fantasiosa.


                                        Falar besteiras e brigar. Amor de amigos amor de primo, diferenças inconclusas. É isso que eu chamo amor. Mirela Cristina Sanchez

Subiram e desceram montanhas ladeirentas de cujas encostas podiam avistar longas fraldas, onde se viam algumas casas habitadas por lavradores ou por já apoucados garimpeiros que insistiam em batear águas lavadas de ouro e esperanças.    Traziam cavalo reserva e uma mula com cangalha. O grosso da tropa ficara em Bacalhau aos cuidados do Senhor Silva. Desta vez a carga era simbólica, pois não podiam ir à ex-capital sem alguma muamba, se assim ocorresse, Salim, um simpático libanês, na certa resmungaria: “Ora seu Digas, mascom efeito, não trazeres a toucinho do bom, um cachaça da cabeça, nem uma pedaço da fumo do São Bento, não me falhes com outra!”. O senhor Salim tinha as suas dificuldades de expressão, embora já estivesse no Brasil antes do início do século. Salim adorava repetir a sua história, que em Ouro Preto já era quase de domínio público: o pai dele, com a mulher ainda jovem e crianças pequenas, vendeu o que tinha no Líbano, reuniu suas economias e deu na telha de ir com toda a família para a França, isso no início de 1889. Não tinha a intenção de voltar, mas não sabia bem qual seria o destino final desta aventura. Viajando em navios costeiros do mediterrâneo e em toscas carroças, chegaram a Paris saindo de Beirute. Queriam participar de uma feira que comemoraria o centenário da revolução francesa. E assim, um pouco sem querer, imiscuíram-se na moderna visão do mundo. Ali tudo era grande com sabor do impensável. Ficaram boquiabertos com a altura e a largura do portal de entrada da feira com sua estrutura de aço e nome de castelo: Torre Eiffel. Passearam em meio às inovações que a exposição mostrava e viverem dias felizes rodeados de gente importante e endinheirada. O espírito nutria-se de grandes emoções; o corpo, das melhores comidas do mundo. A feira fazia jus às pompas do nome, Exposição Universal de Paris que apontava o desenvolvimento tecnológico e cientifico que avançava sobre a maneira de usar as ferramentas e produzir com qualidade. Mais do que motivo de deslumbre, tanta novidade abriu uma janela para os sonhos do patriarca da família Nassif Salim que se encantou com a sinalização de que o novo milênio chegaria para revolucionar os meios de produção e os negócios. O patriarca dessa família, como tantos outros do Líbano daqueles tempos, sempre media o futuro com otimismo, enxergava o mundo como um lugar mais de oportunidades do que de ameaças, e tomava decisões corajosas, algumas vezes impulsivas.  Assim como se troca de camisa, o chefe da família, depois de apalpar bem as algibeiras, decidiu ir até onde seus trocados permitissem, e, pronto, pegou um navio a vapor, em Nantes e, um mês depois, estava com a família em Nova Iorque, onde o casal pensava em ficar o resto da vida para criar os filhos com boa educação e empregos bem remunerados.  Nisso não teve sucesso, ao contrário, uma decepção quase imediata. Apenas dois meses foram suficientes para que sentisse que seus sonhos enfrentariam poderosas forças contrárias. Tudo começou quando o chefe do clã se meteu em briga de cachorro grande: uma gangue de imigrantes Italianos que justificava seus crimes no interesse de suas famílias, a temida máfia siciliana, tentou coagir Seu Salim para que aderisse aos seus métodos criminosos. Assim, recusando-se a negar seus princípios morais e religiosos, a família fugiu dali e veio para o Brasil.

Ao contar essa história para Edgard, Salim a concluíra com uma apologia a si próprio e a sua família.

 

— Nós tem berço. É, Seu Diga, nós não aceita cangalha, nós não ser suas mulas de carga. Nós honesto e agarrado na Cristo desde pequeno. Nós do bem. Eu até comete muitas burrice, mas nós de boa coração. 

 

Naquela oportunidade, Edgard ouvira esse homem e suas histórias interessantes, e dele teve uma impressão positiva. Não se importava que o libanês cuspisse nas concordâncias, trocasse os gêneros, pluralizasse os acertos e singularizasse os erros, e achava até que isso era marca do caráter de quem assume as próprias falhas e releva as do próximo, uma forma de amor de gente de bom coração, pensava. Nunca opinara ou corrigira seu modo de falar e muito menos sua maneira de encarar a vida, tinha receio de que uma palavra mal interpretada, pelo pouco conhecimento que o amigo tinha da língua portuguesa, pudesse derrubar aquela amizade que se iniciava.

 

Mas agora, ali naquelas montanhas belas e verdes, antes de chegar a Ouro Preto, Edgard, ao se lembrar das conversas com Seu Salim, avisara a Deoclécio:

 

— Primo, com seu Salim é melhor falar pouco e não deixar entrelinhas. Faça cara de mula de cangalha, simpatia ou antipatia em demasia podem comprometer. A feição neutra afasta o risco de uma ofensa por engano de interpretação.  Nada pior do que desagradar querendo agradar. Esses estrangeiros são diferentes e sistemáticos. Deoclécio ria desses conselhos desnecessários, porque sabia como se comportar e não precisava ser orientado em nível tão primário e óbvio. Contudo, o coração sempre mais sutil do que a razão, costumava refletir sobre esses intrometimentos e, algumas vezes, interrogava-se sobre a intenção do companheiro: estaria aquele proferindo um simples chiste, ou uma ofensa mais séria? Nessas ocasiões, lembrava-se do que o amigo há tempos lhe dissera: “se amizade não serve para botar panos quentes sobre os defeitos do amigo e dos entreveros, servirá para quê”? E isso era o bálsamo que acalmava suas tripas e esfriava seus miolos.

 

Tantos pensamentos, conversas e brincadeiras atenuavam o trotar dos animais e tornavam a jornada menos tediosa. Nessas viagens, cada marcha começava sempre cedo e nesta, depois de dois dias de estradas e poeiras, a partir de Bacalhau, e de dormirem enrolados em capas de gabardine, com as cabeças sobre as celas, como se travesseiros fossem, finalmente se aproximaram do destino. Era ainda manhã quando Edgard avistou a casa de fazenda do Bandeira, onde o irmão Duca morava desde o seu casamento, em 1924[i]. A intenção era parar, conversar um pouco e almoçar, mas aconteceu de o irmão estar fora, no ofício de bombeiro hidráulico, a soldar e emparedar canos de chumbo, sua especialidade. Na ausência do irmão e na presença de Deoclécio que poderia causar constrangimentos devido a sua natureza extrovertida, Edgard mudou de ideia: sem ao menos apear, explicou para a dona da casa:

 

— Desculpe-nos cunhada, estamos com pressa, eu só passei para uma meia-palavra com o Duca. Não vou deixar nem recado, porque é coisa sem importância, nem íamos mesmo beber água.

 

— Por que tanta pressa sem motivo? — Cecília arguiu o cunhado.

 

— Estamos atrasados para uma entrega. E sendo hoje quinta-feira, sei que o senhor Salim gosta de rezar o terço mais cedo, e se a gente chegar muito tarde complica a vida dele — esquivou-se Edgard.

 

 Cecília pensou: “desculpa esfarrapada, onde já se viu aquele turco rezar terço com dia marcado”. Porém já resignada com a negativa, insistiu por educação:

 

— O José vai ficar chateado em saber que você passou por aqui sem almoçar. Nem ao menos um café simples, um biscoito de polvilho feito na hora[ii], uma água da bilha? Sair assim é uma judiação conosco!

 

Edgard ouviu o que esperava daquela dama tão educada, agradeceu à cunhada a gentileza da insistência e seguiu viagem. Mas foi obrigado a escutar as lamúrias espirituosas de Deoclécio:

 

—Ah! companheiro, a gente podia ter apeado e tomado um café fresco, que mal faz isso! Dá pena perder aqueles biscoitos de polvilho, aquela broa de fubá com queijo. Abrir mão disso é mesmo uma judiação com a sua cunhada!

 

Edgard discordou:

 

 — Sossega essa pança. Você não sabe nada da casa de meu irmão! Como saberia sobre biscoitos e a cozinha de lá? Tá pensando que lá é a casa de Inhaiana? Fica pra volta, hoje eu sou o chefe, na volta você manda, se quiser passar, a gente passa

 

Silenciaram-se enquanto os animais sofriam no enfrentamento daquelas escarpas.

 

Desde Piraguara até Ouro Preto, percebe-se claramente que se está subindo, a ex-capital é quase no topo de uma cadeia de montanhas, embora quem chegue ao centro urbano, vindo de qualquer outra cidade, tenha a ideia de que está a precipitar buraco abaixo e que a ex-capital foi enterrada num vale. Essa ilusão deve-se a que a Praça Tiradentes, cujo ícone ali é representado pela estátua do grande vulto da história brasileira, parece estar numa posição baixa, pois se chega à cidade pelos cumes, deles descendo pela montanha para alcançar o centro. Esta impressão fica mais nítida quando se vai à casa do senhor Salim, que ficava numa rua ao pé do morro.

 

Quando desciam, vindos do lado de Mariana, Edgard disse a Deoclécio:

 

— Primo, preste atenção na vista! Se você conseguir sentir a beleza deste lugar, vai deixar de ser peão para sempre e vai se casar com uma moça bonita, prendada e muita educada.

 

— Uai, Edgard! Eu não sabia que você era supersticioso. Pra que tanto entusiasmo, quem disse que sou peão! Só porque peguei em cabresto e toquei umas mulinhas nesta viagem,  não me jogue no meio da tropa e me faça de peão! Tenho sonhos maiores, primo! Nem todo mundo que passa na frente de um boi é ‘candieiro’ e quem encosta-se a uma mula é tropeiro.

 

Deoclécio retrucou o rótulo, mas aceitou o destino

 

 — Mas tenho que concordar que vou me casar com uma moça bela e educada, e já a tenho em mira.   E tem mais, sei muito bem  apreciar essas vidraças e janelas em estilo colonial, são mesmo de encher os olhos. Gosto também dessas portas em tamanho gigante, um exagero para vocês Alfenas, de um metro e meio de altura, no máximo.

 

Edgard deu aquela risada, reservada para as melhores piadas, em que engolia o fôlego de tanta graça que achava, e disse:

 

— como se você fosse tão grande, olha a tanajura zombando da formiga!

 

— Se fosse do zangão, tudo bem, porque é macho, embora não seja lá também muito agradável trocar a vida só pela aventura de uma tarde de romance nas alturas— retrucou Deoclécio, também com uma risada que colidia com as primeiras casas da cidade e ecoava morro acima.

 

E assim, os dois cavaleiros, de gracejos em gracejos, no incômodo balanço de grandes subidas e nos efêmeros alívios de pequenas descidas, vão ao encontro do agradável movimento de cidade grande.  A ansiedade, tão comum nas chegadas em que os cavalos são os primeiros a sentir, para os cavaleiros era esmaecida pela contemplação da arquitetura exuberante da cidade. Lá em baixo, num ponto encoberto pelos casarões, está o comércio do libanês, que aqui é chamado de turco.

 

Finalmente os animais, cansados de tanto sobe-e-desce, alcançaram o fim da rua; e os cavaleiros, com o corpo doído e as pernas dormentes, despencaram-se de seus animais.  Mal puseram os pés no passeio, e lá veio o seu Salim projetando uma enorme barriga, que o antecedia e como se tivesse acabado de engolir uma grande abobora, que lhe deixara um enorme calombo.  Esbaforido, jogando palavras ao vento, como um personagem de teatro renascentista, vinha pelas portas dos fundos do armazém:

 

— Seu Diga! Deus mandar o senhor aqui. Salim está muito preocupada com a saúde da Eurides, Salim quer uma conselha.

 

Virou-se para seu menino de pasto, disse:

 

— Eliodoro, dê uma conforto para os pobres animais, estão suspirando fundo. Tire os arreios, jogue uma água fresca no lombo deles, leve para o cocho da fundo, ponha bastante milho, fubá e ração e depois solte na pasto do Laranjeira, lá o capim muita meloso. Trata bem esses animais.

 

Edgard procurou tomar pé da situação:

 

— Mas o que aconteceu com a Dona Eurides? Alguma coisa grave?

 

Salim realmente parecia preocupado:

 

— Grave demais, apareceu com uns frieira nos dedos do pé que não saram. O doutor já fez vários curativos, e o ferida fica cada vez pior.

 

— Quem é o médico dela?

 

— É o doutor Eusculápio. Ele mesmo tem feito as curativo.

 

Edgard, a convite do Senhor Salim, entrou na casa e foi direto ao quarto da senhora Eurides, o companheiro de jornada ficou ali meio esquecido, como um cachorro que não sabe debaixo de que cadeira pode deitar. Já lá dentro, Edgard pediu licença ao dono da casa e conversou reservadamente com a doente. Ao sair, calmamente, dirigiu-se ao senhor Salim:

 

— Caro amigo, acho que já sei o que a sua senhora tem. Pelo que ela me relatou, e peço que o senhor confirme: ela sente muita fome, muita sede, desânimo e está urinando muitas vezes ao dia?

 

O marido confirmou:

 

— É isso mesmo, por mais que coma, não engorda e por mais que beba, não mata o sede.

 

Edgard aconselhou:

 

— Fale com o médico dela, pode ser diabetes. Diz pra ele que se ele provar a urina dela e se for doce é diabetes na certa.

 

Salim desconsertou-se:

 

— O amigo está a brincar comigo numa situação dessas? Quem há de provar o urina de uma mulher, ainda mais, doente!

 

— Pelo amor de Deus, seu Salim, é a mais pura verdade! A única maneira de descobrir se é diabetes é provando da urina dela, se for doce é diabetes, quanto mais doce mais grave. Os médicos mais conceituados do mundo estão aplicando esta técnica hoje, mas aqui no Brasil a gente pode usar também a formiga doceira. Será que tem desta formiga por aí?  Se tiver, é só jogar a urina perto delas, se banquetearem ao seu redor, então o senhor não terá mais dúvidas.

 

— Então, pois, Salim não precisa da médico, se é assim, Salim procura uma formigueira destas, se não encontrar, Salim prova urina.

 

 Disse e entrou no quarto e, um minuto depois, voltava com um urinol cheio de urina ainda quente.

 

— Salim tomar decisão, não ficar procurando formiga, Salim prova e vê se o senhor entende mesmo desta mal.

 

Dito e feito, pegou uma colher de sopa, mergulhou no líquido avermelhado e levou à língua, deu um estalido com a língua e gritou espantado:

 

— Pela coroa da Senhora Bom Jesus de Bacalhau!  Salim sentir gosto de açúcar. É como se Salim provasse mel do abêia.

 

— Pois bem seu Salim — disse Edgard e logo foi dando a receita: — ela deve evitar comer muito, deve evitar açúcar a todo custo, e precisa dormir bem. Os remédios, o senhor pega com o médico, que entende disso. Mas lhe digo uma coisa, não adianta ela passar pelo sofrimento desses curativos, pois o problema dela não está nos dedos do pé, isso é sintoma, o grave está no sangue, é uma doença chamada diabetes. Ainda não tem cura, mas há remédios novos na Europa, o senhor tem recursos e pode encomendá-los. Por ora, é preciso que ela faça uma dieta balanceada. Faça com que coma muitas vezes ao dia, mas pouco de cada vez.

 

Salim estava estupefato. A prova da urina era indício de que Edgard falava sério. Urina normal é salgada, como todo mundo aprende logo na primeira infância quando a criança testa tudo que a rodeia com a própria boca. Como podia um rapaz tão jovem, vindo desses confins da mata mineira, sem estudo quase nenhum, um primário mal acabado, saber dessas coisas? Arriscou uma pergunta:

 

— Seu diga, de onde o senhor tirar tanto sabedoria? Como conhecer um doença que o doutor daqui, que é formado numa boa escola da Europa, não sabe descobrir os causas?

 

Edgard respondeu sem vaidade:

 

— Minha mãe trata os amigos e parentes com chás de horta, pois tem alguns conhecimentos de homeopatia. Mas ela é interessada nas doenças em geral e assina dois jornais, um de Belo Horizonte e outro do Rio, assim a gente acompanha as novidades na política e na medicina. Eu leio, presto atenção, converso com minha mãe sobre o que entendi e vou me preparando para poder pelo menos cuidar melhor de minha família, pois me caso sem demora.

 

Deoclécio ouvia tudo sem opinar, mas cada vez valorizava mais a amizade de Edgard e o respeito que ele lhe dedicava. Uma amizade sincera e mútua, cheia de brincadeiras e alicerçada em consideração. A amizade entre eles permitia esse tipo de confiança, que para estranhos poderia parecer abusos, e acreditava que quando um não diminui o outro, os dois crescem, mas sempre que podia, e neste episódio não ficou por menos, fazia troça da maneira respeitosa com que Edgard era tratado pelo senhor Salim:

 

Já entendi: — é seu diga pra lá! Seu diga pra cada! Por que não somar palavras e logo tratá-lo por Sodiga.

 

 E a partir dessa viagem passou a chamá-lo Sodiga quando estavam sozinhos. Vendo que o amigo reagia com cara de mamão macho, resolveu insistir na alcunha e passou a gostar também daquele som “Sodiga”, então, aos poucos, abriu a novidade ao público. O apelido pegou e esparramou-se, primeiro no Felipe Alves, depois nas redondezas e no povoado e, anos depois alcançou todos os recantos dos municípios de Piraguara, Piranga, Rio Espera, Brás Pires, Lamim e Cipotânia.

 

Mas agora, enquanto passeavam pela cidade, os pensamentos de Edgard pairavam além do verde dos altos cumes e, influenciadas pela síncope do apelido que o primo lhe cunhara, suas lembranças foram pousar suave num passado bem distante quando era ainda pequeno: lembrou-se da tirada do pai quando nascera a irmã Presciliana. As crianças tiveram dificuldades com a pronúncia do nome, chamavam-na de presquiliana, perciana e outros nomes engraçados. A menina já ensaiava os primeiros passos, e ninguém acertava o nome dela, então o pai sugeriu, em tom de gracejo, que as crianças simplificassem: “Por que não a chamam de Peixe, não é mais fácil?”. E o apelido pegou de tal forma que, daí a poucos anos, ninguém da região sabia o verdadeiro nome dela.

 

Naquela noite, tiveram que dispensar a pensão, pois o senhor Salim, agradecido pelos conselhos do jovem, não deixou que dormissem em outro lugar:

 

— Ora, ora, me conta outra! Hoje vocês vão dormir é aqui, pois o seu Diga me prestou um grande favor. E o Deoclécio também, pois só pode ser homem da bem, como diz as escrituras: diga-me com quem andas e direi quem és. O companheiro de quem ajuda sempre leva um pouco da fama.

 

Edgard pensou: “eu aprecio este homem, mas não concordo com tudo que diz, eu posso andar com muita gente melhor ou pior do que eu. As melhores vão ajudar-me a me aperfeiçoar, e as piores, espero que aprendam alguma coisa comigo e se tornem também melhores. Salim tem pensamento elitista, é do mesmo tipo: ajunte-se aos bons e serás um deles. Espero que o senhor Salim esteja apenas falando da boca pra fora. Se a gente escolhe e seleciona demais os amigos, acaba sem nenhum.


 

 

Afinal, repousaram ali. Para hóspedes tão simples, a casa do Senhor Salim era um requinte. Móveis Luiz XV, poltronas importadas, cômodos espaçosos e muito luxo nos banheiros em todos os quartos. Embora já conhecessem água encanada, ambos admiraram o fato de que todos os cômodos da casa, mesmo os dos empregados domésticos, terem no mínimo um bonito lavabo de louça. Tudo ali sinalizava bom gosto, riqueza e conforto.   Edgard e Deoclécio dormiram em quartos separados, uma atenção pouco usada para hospedar tropeiros e peões. Quem visse o senhor Salim em sua simplicidade atrás do balcão ou a entrar por uma porta de fundos que ligava sua casa ao comércio, certamente pensaria que sua casa fosse de categoria inferior, de proporções e arquiteturas modestas. Ledo engano, a casa pertencera a um proeminente do império que nela havia residido até o dia em que a capital migrara para Belo Horizonte. Salim comprara a casa de um herdeiro de quem era amigo desde que chegara, no raiar do milênio, para se estabelecer na cidade.

 .........

Clique para ver a continuação..

 

 

 

[i] José Alfenas, o Duca, casou-se, em 24 de novembro de 1924, com Cecília da Silva que passou a assinar Cecília da Silva Alfenas. Foram testemunhas de casamento: o farmacêutico Wolney Carlos Marcenes da Silva, que em 1954 seria candidato a prefeito de Senhora de Oliveira, contra Edgard,  e Antônio Vidigal, cunhado de Duca. O juiz de Paz foi o Alexandre Nicomedes Dutra, mais conhecido como Xandin Dutra.

 

 

 

[ii] Biscoito de polvilho feito na hora é retórica, mas o costume da região era manter biscoitos bem conservados em  lata de  banha reutilizadas para esta e outras finalidades. .


2 comentários:

  1. Coisa danada de boa é poder ler um texto tão gostoso e trabalhado antes mesmo do café da manhã, degustando a história e o texto bem elaborado, matando a saudade dessa família da qual passei a compartilhar alguns momentos que deixam muitas saudades.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado amigo, em nome da família e em particular do meu.

      Excluir